ADI 1625 e a demissão sem justa causa

O Supremo Tribunal Federal (STF) deve retomar, no primeiro semestre de 2023, o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n. 1625, uma ação que questiona a demissão sem justa causa.

O processo se arrasta no Supremo há 25 anos e, com a mudança nas regras da Corte, que estabeleceu um prazo máximo de 90 dias para ministros devolverem os processos após pedirem vista — mais tempo para analisar os processos —, a presidente do tribunal, Rosa Weber, poderá colocar o tema novamente em pauta.

Amplamente noticiado, o assunto requer uma análise cautelosa acerca do tema debatido para não cair em falsas teses alarmistas que circulam pela mídia.

Para entendermos melhor do que se trata a discussão, mister lembrar que, em 1982, a OIT aprovou a Convenção 158 que prevê diversos motivos para que haja o término da relação de trabalho por iniciativa do empregador, como a que consta no seu art. 4º, segundo o qual “não se dará término à relação de trabalho de um trabalhador a menos que exista para isso uma causa justificada relacionada com sua capacidade ou seu comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço”.

Na época, a Convenção 158 chegou a ser ratificada pelo Brasil, pela promulgação do Decreto n. 1.855, de 10 de abril de 1996. No entanto, em 20 de dezembro do mesmo ano, fora denunciada (revogada) pelo Decreto n. 2.100, ou seja, retirando o interesse do Brasil em continuar observando aquela norma em seu ordenamento jurídico interno.

Tal denúncia, no entanto, foi contestada judicialmente na ADI n. 1625, movida junto ao STF em 1997 pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e pela Central Única dos Trabalhadores (CUT). O fundamento foi de que o decreto deveria ter sido ratificado pelo parlamento.

Portanto, o que está em análise agora no STF é apenas o aspecto formal da medida, que traduz-se no seguinte debate: o decreto de denúncia da Convenção 158 deveria ou não ter sido ratificado pelo parlamento? Uma questão absolutamente técnica!

Mas, ultrapassada a questão processual, independentemente da questão técnica da constitucionalidade da denúncia, a Convenção 158 da OIT, em si, não prevê a proibição da demissão sem justa causa.

Da análise jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho (TST) o entendimento é pacifico no sentido de que “a Constituição Federal estabelece que a lei complementar seria a via para se estabelecer a proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, e que a própria Convenção 158 exige a edição de lei para que produza efeitos. Assim, como, nunca, nenhuma norma regulamentadora tenha sido editada, nenhum ‘efeito’ foi possível” (Processo: AIRR-1430-79.2014.5.17.0007).

No aspecto material, ressalta-se que a Convenção 158 da OIT em nenhum momento proíbe a dispensa do trabalhador sem justa causa ou assegura estabilidade. Explica-se: a citada “justificativa” prevista no art. 4º da Convenção não afasta, nem se confunde com a justa causa prevista no art. 482 da CLT.

Se fosse considerada a hipótese de que a Convenção 158 proíbe a demissão sem justa causa, haveria inconstitucionalidade, inclusive, por impossibilidade do exercício da livre iniciativa (art. 170 da CF).  Além de que conflitaria com o próprio art. 7º, inciso I da Constituição, que prevê a proteção contra despedida arbitrária ou sem justa causa em uma relação de emprego, que deve se dar por lei complementar – e essa lei jamais existiu.

Portanto, não há que se alardear que o STF deve aprovar ou validar “medida que proíbe” demissão sem justa causa. Tal prática ainda soa como alarmismo, que pode gerar efeitos negativos no próprio mercado de trabalho, instigando demissões por empresários receosos e estimulando (ainda mais) a contratação informal.

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